Tudo é Rio, de Carla Madeira
SOBRE OS LIMITES DO AMOR, DO CIÚME E DA CAPACIDADE DE PERDOAR
«Mas, se a bondade condenava sincera de um lado, a maldade acolhia o espetáculo. (…) O pior de nós tem os seus encantos. Somos feitos do bom e do mau em porções imprevisíveis.»
A leitura deste romance choca logo na primeira frase, com uma palavra de quatro letras.
Lucy, desde tenra idade, nunca aprendeu a aceitar um «não». Nela habita uma promiscuidade que desconhece barreiras; sente-se poderosa, porém, incapaz de lidar com a rejeição. No entanto, perder-se-á de amores por Venâncio (palavra correta: obcecada), que a ignora.
Dalva, mulher de Venâncio, apresenta-se sempre de cabeça erguida, apesar de carregar sobre si uma grande dor. Lucy sente ciúmes de Dalva, mas são os ciúmes de Venâncio por Dalva que (quase) destroem o casamento de ambos. A pergunta impõe-se: o que terá acontecido? De que modo se relacionam entre si estas três personagens?
Em «Tudo é Rio», Carla Madeira narra, em pouco menos de duzentas páginas e através de uma prosa poética belíssima e repleta de imagens, uma história pesada que, em momento algum, permite pausas para processar o palimpsesto de emoções em que nos vemos mergulhados. Não há filtros: tudo é direto, o hediondo e o maravilhoso; Venâncio é a personagem que melhor espelha essa dicotomia.
Se necessitasse de assinalar algum ponto menos bem conseguido (ou que
tivesse escapado à minha compreensão), diria que o desfecho da narrativa. Não
estou certa da verosimilhança de algumas atitudes tomadas perante a atrocidade de
alguns atos cometidos. Ainda assim, depois de refletir um pouco sobre o
significado daquele final, acredito que a autora tinha como objetivo demonstrar
até onde podem ir os limites do perdão.
Um livro que se lê rápido, mas que nos deixa desconfortáveis do princípio ao fim, podendo ferir a suscetibilidade de pessoas mais sensíveis. Escrever também serve para incomodar: uma escritora que quero continuar a conhecer.
Susana Barão
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