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A mostrar mensagens de abril, 2023

Limpa, de Alia Trabucco Zerán

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  QUANDO A EMPREGADA-NARRADORA NOS CONVOCA PARA INTEGRAR A SUA HISTÓRIA «Não se enganem: eu nunca tive fantasias. A realidade e a irrealidade são como o morto e o vivo, como o que importa e o que não importa, mas falar-vos-ei disso mais tarde.» Uma narrativa contada em círculos, pois «esta história», segundo Estela, a empregada interna numa casa abastada em Santiago do Chile, e narradora-protagonista deste romance, «tem vários inícios». Todos os detalhes, incluindo aqueles que parecem mais insignificantes, importam para se compreender o desfecho trágico, que se conhece logo nas primeiras páginas. Durante sete anos, Estela cuida da casa da senhora Mara López, advogada, e do senhor Juan Jensen, médico, e também da filha de ambos, Julia, de quem toma conta desde o seu nascimento. A harmonia que reina naquele lar compõe-se de aparências: da senhora e da sua falsa simpatia; do senhor e da sua altivez e despudor; da menina, que é obsessiva, mimada e simultaneamente negligenciada. U

Tudo é Rio, de Carla Madeira

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  SOBRE OS LIMITES DO AMOR, DO CIÚME E DA CAPACIDADE DE PERDOAR «Mas, se a bondade condenava sincera de um lado, a maldade acolhia o espetáculo. (…) O pior de nós tem os seus encantos. Somos feitos do bom e do mau em porções imprevisíveis.» A leitura deste romance choca logo na primeira frase, com uma palavra de quatro letras. Lucy, desde tenra idade, nunca aprendeu a aceitar um «não». Nela habita uma promiscuidade que desconhece barreiras; sente-se poderosa, porém, incapaz de lidar com a rejeição. No entanto, perder-se-á de amores por Venâncio (palavra correta: obcecada), que a ignora. Dalva, mulher de Venâncio, apresenta-se sempre de cabeça erguida, apesar de carregar sobre si uma grande dor. Lucy sente ciúmes de Dalva, mas são os ciúmes de Venâncio por Dalva que (quase) destroem o casamento de ambos. A pergunta impõe-se: o que terá acontecido? De que modo se relacionam entre si estas três personagens? Em «Tudo é Rio», Carla Madeira narra, em pouco menos de duzentas páginas

A Vida Mentirosa dos Adultos, de Elena Ferrante

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  SOBRE A ADOLESCENTE QUE DESCOBRE COMO SER ADULTA «Foi assim que aos doze anos fiquei a saber pela voz do meu pai, sufocada pelo esforço de a manter baixa, que estava a ficar como a sua irmã, uma mulher na qual se associavam na perfeição — ouvia-o dizer desde que me lembrava — a fealdade e a malvadez.» Pai e mãe tratam-na por Giovanna; Vittoria, a tia, por Giannina. Mas afinal como se define esta menina quase mulher, que se descobre feia pelo pai, a pessoa que mais admira? Um rosto apagado em fotografias. Do alto de San Giacomo dei Capri, Giovanna desce até uma zona degradada de Nápoles: é lá que vive Vittoria. Começa assim um jogo em que verdades e mentiras se entrelaçam (tal como a pulseira que acompanha toda a narrativa), mostrando como a vida e o amor podem ser opacos. Nem tudo o que parece é: há uma denúncia que se aproxima pela mera observação atenta daqueles que nos são mais próximos e a constatação da coexistência do bom e do mau, do bonito e do feio. No seio de uma fa

As Margens e a Escrita, de Elena Ferrante | O Perfume das flores à noite, de Leïla Slimani

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  LIVROS SOBRE MULHERES NA ESCRITA «As Margens e a Escrita», de Elena Ferrante, agrega um conjunto de palestras redigidas a propósito das Umberto Eco Lectures, cuja leitura e divulgação ocorreram em 2021. Um livro que se organiza sob a forma de um ensaio, dividido em quatro partes. Nele, a autora discorre sobre o processo de escrita e as limitações inerentes a este ato: «... e escrever estava sempre condenado a ser uma aproximação enfadonha.» Confidenciava, com notório incómodo de que «tudo aquilo de que gostava quase nunca fora escrito por mulheres.» Ao abordar algumas das suas influências literárias, como Dante, Virginia Woolf e Emily Dickinson, Elena Ferrante partilha de que modo surgiram e se construíram personagens inesquecíveis como Lila e Lenù (Tetralogia Napolitana), Delia, Olga e Leda (Crónicas do Mal de Amor) e Giovanna (A Vida Mentirosa dos Adultos). «O perfume das flores à noite», de Leïla Slimani, reúne algumas das reflexões e confidências da autora, quando convidada a per