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A mostrar mensagens de dezembro, 2021

O Atelier de Noite, de Ana Teresa Pereira

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  «Por vezes é assim que penso naqueles onze dias. A última vez que fui bonita.» Em dezembro de 1926, Agatha Christie esteve desaparecida durante onze dias; é este acontecimento na vida da escritora de livros policiais — e criadora do famoso detetive Hercule Poirot — que dá o mote ao primeiro conto (de dois) presente nesta obra de Ana Teresa Pereira. «Vivia algures entre a consciência e outra coisa sem nome. Estranhas intuições, estranhas proximidades.» Narrado na primeira pessoa, a protagonista assume outra identidade ou, como a própria diz: «Acordava de manhã e não encontrava Agatha dentro de mim.» No hotel em Harrogate, onde se aloja, apresenta-se como Teresa Neele, uma «homenagem» ao nome da amante do marido, Archie; a descoberta deste caso é apontada como uma das possíveis razões para a sua fuga: «Recriei tantas vezes o que acontecera entre mim e Archie e Nancy Neele. (...) Se continuar a escrever a história, uma e outra vez, talvez um dia fique tudo certo.» Esta é uma leitura que

No jardim do ogre, de Leïla Slimani

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  Na vida de Adèle — uma mulher bonita e de trinta e cinco anos — , tudo é um tédio: aborrece-se ao escrever artigos para a redação onde trabalha; não tem paciência para o convívio familiar; o filho, Lucien, ocupa-lhe muito tempo; Richard, o marido protetor e que é médico, não desconfia de nada, só pensa em largar o caos parisiense para se refugiar num casarão rústico. «Sabes que mais, Adèle? És tão banal como todos nós. No dia em que aceitares isso, serás muito mais feliz.» Assolada em sonhos, surge a vontade, não consegue controlar-se. É no envolvimento com outros homens que Adèle consegue encontrar alívio para a pulsão sexual que a domina. As suas ações têm apenas um propósito: encontrar forma de satisfazer um desejo que nunca cessa, mesmo que isso implique colocar-se em perigo, sujeitar-se a atos mais violentos, ultrapassar limites. No fim, apenas lhe resta o vazio, a vergonha. Voltar a sentir-se sozinha. «Seja como for, já nem ouve. Está inquieta, amarga. Hoje, não consegue existi

Até os Comboios Andam aos Saltos, de Célia Correia Loureiro

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  «Depois, premindo o botão para a descarga de fentanil, olhou para a televisão acesa num canal sensacionalista e fitou a destruição e a fumarada do descarrilamento de um comboio.  Arrepiei-me ao ouvi-lo exclamar: — Ena pá, até os comboios andam aos saltos.» Um livro que é uma edição de autor. Um livro que, segundo a @celiacorreialoureiro, suscitou o interesse por parte de uma editora tradicional. Contudo, a autora optou por não seguir esse caminho. Os motivos podemos encontrá-los lendo esta narrativa. Como ser, como agir perante os outros, perante a vida, quando os responsáveis pela nossa existência traem a nossa confiança? Os relatos são duros, crus, por vezes cruéis, sem filtros. As vivências que nos são contadas, em jeito diarístico pela narradora-protagonista, revelam uma tremenda densidade emocional: as relações disfuncionais com os progenitores, a problemática da adição, as doenças — o cancro. E tudo isto — e mais algumas peripécias — começa a ser escrito, com recurso a um

Sem Destino, de Imre Kertész

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  «Contudo, fiz-lhes compreender que nunca se podia começar uma vida nova, só se podia prosseguir a antiga. Fora eu a caminhar passo a passo e não outro, e declarei que eu fora sempre honesto no destino que me coube.» Budapeste, Hungria. Köves György, um adolescente a completar os quinze anos, estava prestes — tal como a sua madrasta — a despedir-se do seu pai, pois este havia sido convocado para um campo de trabalho. Mais tarde, György é obrigado a abandonar o liceu, sendo destacado para «As Refinarias de Petróleo Shell». E um dia, no autocarro que o levava para o seu local de trabalho, vê-se impedido de prosseguir o seu caminho e é fechado, juntamente com outros colegas (também eles judeus), numa cavalariça durante a noite. Viagens de comboio em vagões: sobrelotação, racionamento, sede e fome. E a primeira paragem acontece no campo de concentração de Auschwitz, onde este jovem apenas permanece por alguns dias; contudo, é aqui que György é desprovido, a passo e passo, de todos os