O Atelier de Noite, de Ana Teresa Pereira

 

«Por vezes é assim que penso naqueles onze dias. A última vez que fui bonita.»

Em dezembro de 1926, Agatha Christie esteve desaparecida durante onze dias; é este acontecimento na vida da escritora de livros policiais — e criadora do famoso detetive Hercule Poirot — que dá o mote ao primeiro conto (de dois) presente nesta obra de Ana Teresa Pereira.

«Vivia algures entre a consciência e outra coisa sem nome. Estranhas intuições, estranhas proximidades.»

Narrado na primeira pessoa, a protagonista assume outra identidade ou, como a própria diz: «Acordava de manhã e não encontrava Agatha dentro de mim.» No hotel em Harrogate, onde se aloja, apresenta-se como Teresa Neele, uma «homenagem» ao nome da amante do marido, Archie; a descoberta deste caso é apontada como uma das possíveis razões para a sua fuga: «Recriei tantas vezes o que acontecera entre mim e Archie e Nancy Neele. (...) Se continuar a escrever a história, uma e outra vez, talvez um dia fique tudo certo.»

Esta é uma leitura que se assemelha a um jogo, em que são introduzidos, a cada capítulo, novas pistas (como se de um crime se tratasse), através de uma escrita em círculos e com recurso a figuras de estilo como o polissíndeto (na utilização recorrente da conjunção «e»).

A atmosfera densa, claustrofóbica, a sensualidade, as referências à literatura inglesa e a utilização de subtexto são elementos presentes em ambas as histórias — «O Atelier de Noite» e «Sete Rosas Vermelhas» — e que caracterizam aquele que é o «modus operandi» de Ana Teresa Pereira na escrita dos seus contos, dos seus romances. Talvez, por isso, goste de voltar de forma recorrente aos seus livros. É bom quando uma autora portuguesa consegue enfeitiçar-nos desta maneira. Sem dúvida, umas das melhores descobertas de 2021.

Há algum autor(a) a quem tenhas regressado mais do que uma vez no decorrer de 2021?

Susana Barão

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O parque dos cães, de Sofi Oksanen

Não Saí da Minha Noite, de Annie Ernaux

O Tesouro, de Selma Lagerlöf