Sem Destino, de Imre Kertész

 


«Contudo, fiz-lhes compreender que nunca se podia começar uma vida nova, só se podia prosseguir a antiga. Fora eu a caminhar passo a passo e não outro, e declarei que eu fora sempre honesto no destino que me coube.»

Budapeste, Hungria. Köves György, um adolescente a completar os quinze anos, estava prestes — tal como a sua madrasta — a despedir-se do seu pai, pois este havia sido convocado para um campo de trabalho. Mais tarde, György é obrigado a abandonar o liceu, sendo destacado para «As Refinarias de Petróleo Shell». E um dia, no autocarro que o levava para o seu local de trabalho, vê-se impedido de prosseguir o seu caminho e é fechado, juntamente com outros colegas (também eles judeus), numa cavalariça durante a noite.

Viagens de comboio em vagões: sobrelotação, racionamento, sede e fome. E a primeira paragem acontece no campo de concentração de Auschwitz, onde este jovem apenas permanece por alguns dias; contudo, é aqui que György é desprovido, a passo e passo, de todos os seus pertences, apercebendo-se, com surpresa e espanto, que é feito prisioneiro, perdendo a sua dignidade.

Posteriormente, é transferido para outros campos de concentração — Buchenwald e Zeitz. Os meses prosseguem e György assiste à sua transformação e degradação: «Diariamente, era surpreendido por uma novidade, por um novo erro, uma nova disformidade sobre esta coisa cada vez mais estranha e estrangeira a mim que tinha sido antigamente um bom amigo — o meu corpo.»

Contado na primeira pessoa, trata-se de um relato onde imperam descrições precisas, mas que nunca chegam a ser romanceadas nem dramatizadas. Surpresa, espanto e «naturalmente» são as palavras que o caracterizam. Aliás, todo o discurso de György é isento de moralismos o que, no meu entender, confere originalidade a um tema que temo possa estar a ser alvo de banalização em alguns livros.

Imre Kertész venceu o Prémio Nobel da Literatura em 2002. Sobrevivente do Holocausto, foi jornalista, tradutor e escreveu quinze livros. «Sem Destino», publicado em 1975, é considerado um romance autobiográfico, ainda que o autor em vida tenha rejeitado essa comparação. Porém, a linha que distingue a realidade da ficção é ténue: Imre e o nosso protagonista tinham exatamente a mesma idade quando foram deportados para Auschwitz.

«Nada é verdade, não há sangue diferente ou outra coisa, há somente… Também eu vivi até ao fim um dado destino. Não era o meu destino, mas fui eu que o vivi até ao fim»

Susana Barão






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