Limpa, de Alia Trabucco Zerán
QUANDO A EMPREGADA-NARRADORA NOS CONVOCA PARA INTEGRAR A SUA HISTÓRIA
«Não se enganem: eu nunca tive fantasias. A realidade e a irrealidade são como o morto e o vivo, como o que importa e o que não importa, mas falar-vos-ei disso mais tarde.»
Uma narrativa contada em círculos, pois «esta história», segundo Estela, a empregada interna numa casa abastada em Santiago do Chile, e narradora-protagonista deste romance, «tem vários inícios». Todos os detalhes, incluindo aqueles que parecem mais insignificantes, importam para se compreender o desfecho trágico, que se conhece logo nas primeiras páginas.
Durante sete anos, Estela cuida da casa da senhora Mara López, advogada, e do senhor Juan Jensen, médico, e também da filha de ambos, Julia, de quem toma conta desde o seu nascimento.
A harmonia que reina naquele lar compõe-se de aparências: da senhora e da sua falsa simpatia; do senhor e da sua altivez e despudor; da menina, que é obsessiva, mimada e simultaneamente negligenciada.
Uma porta esmerilada representa a separação física (e ténue) entre Estela e esta família; porém, apesar de nunca lhe levantarem a voz, não há momento nem gesto que a faça esquecer de que ela é uma subordinada e eles — até a criança! —, são os seus patrões. Trata-se, pois, de um retrato bem detalhado, que espelha a diferença de classes sociais.
Um livro Impregnado de uma atmosfera tensa e de uma forte imagética, organizado em capítulos curtos, o que ajuda a ordenar os inúmeros acontecimentos descritos, que surgem dispersos e fragmentados.
A originalidade de «Limpa» reside, sobretudo, na abordagem escolhida pela escritora chilena Alia Trabucco Zerán para relatar (pela voz da própria personagem) o quotidiano daquela empregada de origens humildes, mas que se nos apresenta com uma grande densidade emocional e psicológica: Estela dirige-se e conversa com um «nós», com um público que a ouve e escreve apontamentos, com quem a lê: os leitores desta história.
Agradeço à Penguin Random House Portugal a cedência
deste exemplar.
Despertei a tua curiosidade com este romance?
Susana Barão
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