Uma Escuridão Bonita, de Ondjaki

 

«Era verdade, tínhamos tempo. A falta de luz também inventava mais tempo para as pessoas estarem juntas, devagar.»

É assim, neste ambiente sem luz elétrica, que Ondjaki conta-nos uma bonita história entre dois jovens sentados na varanda da avó Dezanove, na escuridão da noite, que entre aproximações e hesitações descobrem juntos a magia do primeiro beijo.

Pela voz do protagonista, é abordada a importância da comunicação através de gestos, para além da fala — o toque de mãos —, onde encontramos personagens inseridas no meio de mosquitos e calor, num ambiente tropical.

Recorrendo a uma narrativa curta, o autor tece, de modo inteligente, considerações sobre assuntos complexos como a guerra, a morte ou a discriminação: «... como se o nosso mundo, por alguns instantes, pudesse ser assim — sem tom de cor ou distração de forma.»

Escrito de forma brilhante, somos transportados para o mundo da infância/adolescência, numa prosa poética pautada por diálogos desenhados com mestria:

«— Consegues imaginar uma gaiola ao contrário?

— Acho que sim. Uma gaiola toda aberta.»

Para aprimorar e completar o enredo, o leitor é presenteado com as estórias do soviético e do Cinema Bu, bem como pelas belíssimas ilustrações de António Jorge Gonçalves (Prémio Nacional de Ilustração em 2014).

Este é um livro para ser lido e sentido ao som da nossa voz, que importa demorarmo-nos um pouco mais em cada passagem para não esquecermos a importância das coisas simples da vida.

Leitura inserida na iniciativa dos @literacidades para o projeto #herdeirosdesaramago.

Susana Barão


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