O Amante, de Marguerite Duras

 

 

«Penso frequentemente nesta imagem que sou a única a ver ainda e de que nunca falei. Está sempre aí no mesmo silêncio, deslumbrante. É, de todas, a que me agrada a mim própria, onde me reconheço, onde me encanto.»

É através desta intrigante construção de frases que nos é contada esta história, em tom autobiográfico, onde a narração é feita, de modo intercalado, na primeira e na terceira pessoa.

Passado no início do século XX, num ambiente de clima equatorial, este livro retrata o romance condenado entre uma adolescente de quinze anos e um homem com quase o dobro da sua idade. Para acentuar as diferenças, ela é branca, de ascendência francesa, inserida numa família devastada pela ruína, usa um vestido de seda antigo, sapatos de salto alto de lamé dourado e um chapéu de homem feito de feltro com uma fita preta; ele é chinês, provém de uma família abastada, utiliza um «fato de seda claro dos banqueiros de Saigão» (Cidade de Ho Chi Minh é o nome atual), tem medo, sente-se intimidado na presença da protagonista, da sua mãe e dos seus dois irmãos.

O primeiro encontro: ela numa barcaça do rio Mekong, ele a ser conduzido numa limusina preta; ele é experiente, ela deixa-se levar pela necessidade de se libertar, de experimentar novas sensações: «E a chorar fá-lo. Primeiro há a dor. E depois esta dor é por sua vez possuída, transformada, lentamente arrancada, levada até ao gozo, abraçada a ela. O mar, sem forma, simplesmente incomparável.»

A sensualidade e o erotismo são elementos presentes ao longo do enredo, bem como a perturbadora, complexa relação da protagonista com a sua mãe, que ao que tudo indica sofre de um distúrbio psiquiátrico. A completar o cenário, temos ainda um irmão mais velho viciado e violento e um irmão mais novo passivo e de saúde débil.

Existe uma intensidade tal na escrita de Marguerite Duras que dei por mim ora a ler de forma compulsiva, quase sem interrupções, ora a demorar-me mais em algumas passagens, chegando ao ponto de reler parágrafos inteiros.

A não linearidade na descrição dos acontecimentos, contado em jeito de memórias, exige um grande foco e concentração por parte do(a) leitor(a). A repetição de palavras, o conjugar de frases curtas e compridas resultam de forma brilhante.

«Nunca escrevi, julgando fazê-lo, nunca amei, julgando amar, nunca fiz nada senão esperar diante da porta fechada.» Um livro que merece ser relido.

Susana Barão

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