Thérèse Desqueyroux, de François Mauriac

 

Thérèse Desqueyroux é uma jovem mulher que vai a tribunal para ser julgada pela tentativa de envenenamento do marido, Bernard. Oriunda de uma família influente na época, e por forma a abafar o escândalo, apesar de todas as provas indiciarem a sua culpa — incluindo a falsificação de receitas médicas —, o caso acaba arquivado, sendo declarado improcedente.

É precisamente pelo fim do julgamento da protagonista que começa este romance, da autoria do escritor francês François Mauriac, Prémio Nobel da Literatura em 1952.

«Nunca os dois esposos estiveram tão unidos como naquela defesa; unidos numa só carne () Reconstituíram, expressamente para o juiz, uma história simples, sólida, e que pudesse satisfazer essa criatura lógica.»

Não se pense, contudo, que este testemunho de defesa por parte da suposta vítima estava isente de contrapartidas: «Terminado o pesadelo, de que irão falar nessa noite Bernard e Thérèse? () Nada haverá entre eles além do que realmente aconteceu...»

Na verdade, o pior estava por vir: Thérèse é isolada pelo marido numa casa em Argelouse, com a desculpa de que se encontrava neurasténica. «Sem obedecer a uma vontade deliberada, a sua dor tornava-se assim a sua ocupação e — quem sabe? — a sua razão de estar no mundo.» As suas aparições públicas eram apenas ocasionais, como idas à igreja e, mais tarde, ao casamento da sua cunhada, Anne, da qual Thérèse exercia grande influência.

Numa floresta povoada por pinheiros, na região de Landes do início do século XX, vamos conhecendo, através de uma narrativa repleta de analepses, o mundo interior da protagonista, uma mulher de estudos e que está consciente da sua complexidade, permanentemente insatisfeita com as condicionantes impostas pela sociedade e a família à sua condição de género.

«A família! Thérèse deixou apagar o cigarro. De olhar fixo, via essa gaiola de grades inumeráveis e vivas, essa gaiola envolta por olhos e ouvidos, onde, imóvel, acocorada, com o queixo sobre os joelhos e os braços rodeando as pernas, ela aguardaria a morte.» Atormentada e aprisionada, será que Thérèse iria alguma vez poder viver em liberdade, de acordo com as suas necessidades, desejos e vontades?

François Mauriac consegue, por meio de uma escrita humanista, explorar a universalidade da condição humana, expondo com maestria as nuances por detrás das motivações para as nossas ações e emoções.

Esta é uma obra intemporal, cuja última adaptação cinematográfica data de 2012, com a atriz Audrey Tautou a desempenhar o papel de Thérèse Desqueyroux, que também protagonizou o filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.

Susana Barão

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