Cadernos da Água, de João Reis

 

«Mesmo quando há confusão e interesse e curiosidade, as pessoas fogem ou viram a cara. Faço o mesmo. Há que aceitar e tentar sobreviver, ou desistir e morrer. Eu cá nunca soube morrer.»

Século XXI, Suécia, aeroporto, campo de refugiados. Estamos perante o retrato de um quotidiano distópico, relatado pela voz de Sara (uma mulher portuguesa), ou melhor, através das suas palavras, registadas num caderno. O destinatário é apenas um: o marido, Emanuel, que ficou para trás, separando-se da mulher e da filha (Mariana), permanecendo numa pátria que perdeu o seu nome, num país que deixou de existir.

Guerras Meridionais da Água. Primeiro e Segundo Eventos. A intervenção de paramilitares sem escrúpulos. São as consequências das alterações climáticas: a água escasseia e é morna; o clima, seco. Centenas de milhares de vítimas na Europa, Médio Oriente e Norte de África — o surgimento de um vírus pandémico. Os conflitos sociais, que culminam na ascensão de políticas de extrema-direita.

Uma narrativa que alterna entre a primeira e a terceira pessoas, em que o número de vozes aumenta à medida que avançamos na leitura. O livro apresenta uma linguagem cuidada, pincelada com alguns vocábulos menos comuns, mas que, no meu entender, não tornam a escrita pretensiosa.

Ao contrário do que vem sendo habitual em obras anteriores, João Reis optou por organizar e expor os acontecimentos em capítulos curtos, tornando, assim, compulsiva a leitura destas páginas, talvez pela angústia e inquietação provocadas pelas descrições, densas e extremamente bem detalhadas.

E se? Arrepia conhecer algumas das possíveis respostas a esta pergunta. Perante tais circunstâncias, somos confrontados com o melhor e o pior de cada ser humano. Um livro lançado em março de 2022, poucos dias depois do eclodir da guerra na Ucrânia. Uma premonição?

Obrigada, Ana Dahlberg pela iniciativa e a todos os participantes desta leitura conjunta.

Susana Barão

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