A Carne, de Rosa Montero
O AMOR E A DEPENDÊNCIA AFETIVA
«Medo. A última vez que fizera amor. E se não voltasse a ter um amante? As pessoas nunca sabiam quando faziam, pela última vez, alguma coisa que lhes interessava.»
Soledad é uma mulher elegante de sessenta anos, culta e independente; comissária, prepara-se para lançar, na Biblioteca Nacional de Espanha, uma exposição sobre escritores malditos. Tudo isto seria perfeito se Soledad não se sentisse tão... sozinha.
Estamos em Madrid, numa peça de ópera: a necessidade de se vingar de um ex-amante. Para o efeito, Soledad contrata um acompanhante de luxo — Adam, um jovem atlético, atraente e bem mais novo: trinta e dois anos. Cumprido o objetivo, antes de se despedirem, são arrastados involuntariamente para um crime violento; a noite alonga-se e o envolvimento entre os dois acontece. A intensidade daquele momento une-os, tornando-se cúmplices, dependentes um do outro. Apesar das motivações, serão assim tão diferentes?
Na sua relação ambígua, obsessiva, nada é preto nem branco... Soledad e Adam são reais, palpáveis. Por circunstâncias distintas, ambos carecem — mais do que da carne — de afeto, de amor. Confesso que, no final, me comovi com a nobreza de espírito (temporária) por parte de uma das personagens. A referência, ao longo do enredo, de episódios ocorridos com escritores como Philip K. Dick, Thomas Mann, María Lejárraga ou María Luisa Bombal confere lirismo e densidade à narrativa.
Este foi um livro que li de forma compulsiva: com capítulos curtos, a tensão mantém-se do princípio ao fim, os acontecimentos sucedem-se e encontram-se organizados numa espiral descendente. Destaco, também, a reflexão pertinente sobre o processo de envelhecimento e a crítica social às pressões exercidas ao modo como cada um/a vive, à sua conduta.
«A vida é um pequeno espaço de luz entre duas nostalgias. A nostalgia do que ainda não vivemos e a do que já não poderemos viver.»
Sabias que Rosa Montero é, também ela,
uma personagem nesta história? Que
outros livros conheces em que os autores participam de forma ativa nas suas
narrativas?
Susana Barão
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