Canção Doce, de Leïla Slimani



DA PERTURBAÇÃO À PERDA DE CONTROLO

Myriam e Paul vivem em Paris e são um casal de classe média: ela, advogada; ele, produtor musical. Quando engravida pela primeira vez, Myriam deixa de trabalhar para cuidar de Mila; já com o nascimento de Adam, o filho mais novo, Myriam, sufocada, sente vontade de regressar ao mundo laboral. E assim surge Louise, a ama que encanta a todos, agregando a si o protótipo da perfeição, ao cuidar da casa, das crianças: «Louise se supera na arte de se tornar invisível, e, ao mesmo tempo, indispensável.»

«Olham para ela e não a vêem. É uma presença íntima, mas nunca familiar.» Aqui, e em outras referências, apercebemo-nos da força da barreira social no trato e nos gestos. Não obstante a crescente relação de dependência na arquitetura familiar, Louise será sempre a empregada e Myriam e Paul, os patrões.

O final é-nos apresentado logo nas primeiras três páginas, com uma primeira frase de três palavras, que, sem preâmbulos, choca. Apesar do horror descrito, a curiosidade vence, e a necessidade de saber o que aconteceu «empurra-nos» para uma leitura convulsa, em que a fluidez da escrita contrasta com a revelação de cada detalhe, num jogo subtil e simultaneamente perturbador, que poderá obrigar a algumas pausas.

Leïla Slimani tem uma escrita incisiva, que rasga e corta em doses pequenas à medida que os acontecimentos se sucedem, e, embora obedecendo a uma cronologia, surgem de modo fragmentado.

Uma narrativa que parte de uma análise e enquadramento sociológico para abordar questões do foro psicológico: em Louise, a necessidade de pertença suplanta o discernimento. Refém de uma situação precária e de um contexto familiar disfuncional, a perturbação mental, a obsessão pela perfeição e a necessidade de ter tudo sob controlo culminam num desfecho trágico para esta família burguesa, aparentemente ideal.

Tradução de Tânia Ganho e revisão de Manuel Monteiro (o meu formador de Revisão de Textos, com quem tenho aprendido muito).

Já leste algum livro da Leïla Slimani? Se sim, qual o teu preferido?

Susana Barão


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