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A mostrar mensagens de outubro, 2023

Oh, William!, de Elisabeth Strout

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  SOBRE CASAMENTO E DE QUEM SOMOS PELA MANEIRA COMO NOS RELACIONAMOS COM OS OUTROS O que eu quero dizer é que as pessoas estão sozinhas. Muitas pessoas não conseguem exprimir a quem conhecem bem aquilo que sentem que talvez queiram dizer. (p. 113) Neste terceiro volume da tetralogia Amgash, acompanhamos a escritora de sucesso Lucy, uma mulher sexagenária que enviuvara recentemente do seu segundo marido. Por outro lado, temos William, ex-marido de Lucy, parasitólogo de profissão e prestes a completar setenta anos. Lucy quer falar dele aos seus leitores, mas será que esta narrativa apenas se centra na sua relação, de quando ainda eram casados (durante quase duas décadas) e de como continuaram a dar-se bem anos depois de se divorciarem (com duas filhas adultas em comum)? Pesadelos noturnos, a descoberta de um segredo familiar e o término do seu terceiro casamento levam William a convidar a sua ex-mulher Lucy para uma viagem até Maine. Naqueles dias que ali permanecem, e enquanto re

Quem sabe, de Pauline Delabroy-Allard

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DA PROCURA DA IDENTIDADE ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS DOS NOSSOS NOMES É sem dúvida nas histórias que existimos verdadeiramente, é na ficção que se esconde a verdade, e não existe outro lugar onde se possa viver. (p. 170) Pauline Jeanne Jérôme Ysé: três nomes próprios acompanham o primeiro nome da protagonista. Com trinta anos e uma vida a crescer dentro do seu ventre, é a primeira vez que se confronta com a necessidade de possuir um documento de identificação. Narrado pela voz de Pauline, que discorre sobre os acontecimentos no presente do indicativo, acompanhamos a sua jornada em busca das suas raízes. Quem é Jeanne? Quem é Jérôme? E quem é Ysé? «Que posso saber? Que devo fazer? Que me é permitido esperar?» são questões que, nas palavras de Pauline, fundamentam o pensamento do filósofo Kant. Há luzes que se apagam quando tudo fica branco. Dir-se-ia que nas trevas, aprisionados num cenário negro, conseguimos reagir ao que de mal nos acontece. E se deixarmos de falar, de nos exprimir,

Não Saí da Minha Noite, de Annie Ernaux

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RELATO ÍNTIMO SOBRE ESQUECIMENTO, DOR E MEMÓRIA   Pela primeira vez, imaginei claramente a sua vida aqui, para lá das minhas visitas (…) Estou a arranjar uma tonelada de culpa para o futuro. Mas mantê-la em minha casa era deixar de viver. Ela ou eu. Lembro-me da última frase que ela escreveu: «Não saí da minha noite.» (p. 34) Depois de se sentir mal e de ser hospitalizada, em 1983, e já acusando algumas falhas de memória e comportamentos estranhos, a mãe de Annie Ernaux recebe o diagnóstico da doença de Alzheimer. Na esperança de que pudesse recuperar o dinamismo e a independência que a caracterizavam, Annie leva-a para sua casa, para junto de si e dos dois netos. Durante este período, Annie começa a escrever pedaços sem ordem dos comportamentos bizarros que observa da sua mãe, de como se sente perante a crescente degradação e perda de faculdades cognitivas e mentais. Ante a impotência e incapacidade para ajudar a sua progenitora, a mãe de Annie passa a depender dos cuidados d

Tudo é possível, de Elizabeth Strout

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  UM ROMANCE DE PERSONAGENS ORGANIZADO EM FORMATO DE CONTOS E ela compreendia. Compreendia que todas as pessoas estavam sobretudo interessadas em si mesmas. (…) Esta é a película que nos protege do mundo — este amor por outra pessoa com quem dividimos a nossa vida. (p. 56) Quando iniciei a leitura de «Tudo é possível», o segundo livro da tetralogia Lucy Barton, confesso que estranhei o modo como a narrativa se encontra organizada: em nove grandes capítulos (ou serão contos?), em que cada um aprofunda a história de vida, ou um episódio em particular, das personagens mencionadas no primeiro livro, durante as conversas que Lucy manteve com a sua mãe enquanto permaneceu internada no hospital. Na maioria destas narrativas, aparentemente «soltas» e sem um fio condutor óbvio, existe uma ligação direta a Lucy Barton, na qualidade de escritora reconhecida, de alguém que se emancipou, deixando para trás uma vida de pobreza extrema com a sua família na cidade de Amgash, no Illinois. Como pode um