Tudo é possível, de Elizabeth Strout

 

UM ROMANCE DE PERSONAGENS ORGANIZADO EM FORMATO DE CONTOS

E ela compreendia. Compreendia que todas as pessoas estavam sobretudo interessadas em si mesmas. (…) Esta é a película que nos protege do mundo — este amor por outra pessoa com quem dividimos a nossa vida. (p. 56)

Quando iniciei a leitura de «Tudo é possível», o segundo livro da tetralogia Lucy Barton, confesso que estranhei o modo como a narrativa se encontra organizada: em nove grandes capítulos (ou serão contos?), em que cada um aprofunda a história de vida, ou um episódio em particular, das personagens mencionadas no primeiro livro, durante as conversas que Lucy manteve com a sua mãe enquanto permaneceu internada no hospital.

Na maioria destas narrativas, aparentemente «soltas» e sem um fio condutor óbvio, existe uma ligação direta a Lucy Barton, na qualidade de escritora reconhecida, de alguém que se emancipou, deixando para trás uma vida de pobreza extrema com a sua família na cidade de Amgash, no Illinois.

Como pode um letreiro despoletar uma atitude violenta tão vincada? O que levará a uma sobrinha nutrir tanta raiva pela sua tia? E quando um casal se ama, mas não consegue desfrutar da sua intimidade? E se a solidão nos faz trair a confiança da pessoa com quem se convive? Será a idade um impedimento para conquistar a felicidade? E quando a vergonha se instala: que segredos escondem os elementos de uma família convencional?

Vizinhos, amigos, primos e irmãos. Pete e Vicky, os irmãos de Lucy — as mágoas profundas, o dedo na ferida, o que os separa e o que (ainda) os une. Dottie e Abel, os primos de Lucy. Tal como a prima, também eles foram «bem-sucedidos», ainda que a solidão fizesse parte da sua rotina.

Apesar de reconhecer a mestria de Elizabeth Strout, pela construção inteligente desta narrativa e o modo como interligou todas as personagens e respetiva associação a Lucy Barton, admito que, em alguns momentos, necessitei de «forçar» a continuidade desta leitura, que, no fim, me conquistou pela análise maravilhosa que a autora efetua ao universo complexo que constitui a condição humana.

Susana Barão

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