Quem sabe, de Pauline Delabroy-Allard
DA PROCURA DA IDENTIDADE ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS DOS NOSSOS NOMES
É sem dúvida nas histórias que existimos verdadeiramente, é na ficção que se esconde a verdade, e não existe outro lugar onde se possa viver. (p. 170)
Pauline Jeanne Jérôme Ysé: três nomes próprios acompanham o primeiro nome da protagonista. Com trinta anos e uma vida a crescer dentro do seu ventre, é a primeira vez que se confronta com a necessidade de possuir um documento de identificação.
Narrado pela voz de Pauline, que discorre sobre os acontecimentos no presente do indicativo, acompanhamos a sua jornada em busca das suas raízes. Quem é Jeanne? Quem é Jérôme? E quem é Ysé? «Que posso saber? Que devo fazer? Que me é permitido esperar?» são questões que, nas palavras de Pauline, fundamentam o pensamento do filósofo Kant.
Há luzes que se apagam quando tudo fica branco. Dir-se-ia que nas trevas, aprisionados num cenário negro, conseguimos reagir ao que de mal nos acontece. E se deixarmos de falar, de nos exprimir, de nos relacionarmos com os outros, sobretudo com quem vive ao nosso lado? E quando a indefinição assume a nossa identidade, não há choro e mais nada acontece?
Por vezes, para sobrevivermos a um trauma, o nosso organismo ativa mecanismos que bloqueiam o normal processamento das nossas experiências. E eis que Pauline isola-se, viaja, dança, adensa as suas investigações, pois quer sentir-se mais próxima daquelas três pessoas que compõem o seu nome, as reais e a imaginária.
Num enredo dividido em três atos, como se de uma peça de teatro se tratasse, Pauline Delabroy-Allard consegue, com uma escrita vertiginosa e um hábil recurso à repetição intencional, arrastar-nos para uma cascata de episódios cada vez mais claustrofóbicos, em que a realidade e a ficção se misturam até algo rebentar.
«Quem sabe» não será possível salvarmo-nos através da literatura?
Susana Barão
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