Somos o esquecimento que seremos, de Héctor Abad Faciolince


DA ESCRITA DAS MEMÓRIAS PARA EVITAR O ESQUECIMENTO DE QUEM FOI VÍTIMA DA INJUSTIÇA E DA VIOLÊNCIA

Só mais tarde olharei para eles: um, é a lista dos ameaçados de morte, uma fotocópia, e o outro, o «Epitáfio» de Borges copiado com o seu punho e letra, salpicado de sangue: «Já somos o esquecimento que seremos.» (p. 300)

Em 25 de agosto de 1987, na cidade de Medellín, Héctor Abad Gómez, pai do escritor, é assassinado por paramilitares. Decorridos mais de vinte anos, Héctor Abad Faciolince decide escrever e publicar «Somos o esquecimento que seremos», um livro dedicado ao seu pai e às memórias de uma época conturbada e de crescente violência política na Colômbia dos anos setenta e oitenta.

Seguindo uma ordem cronológica dos acontecimentos, ainda que o registo se apresente fragmentado, algo comum neste género literário, vamos conhecendo a infância e a adolescência do autor, assim como a sua família e a relação de grande proximidade (e, quiçá, de alguma dependência) com o seu progenitor: um homem bom e generoso, carinhoso, de fortes convicções (ativista pelos direitos humanos), professor universitário e um médico dedicado à causa da saúde pública, em que a prevenção, mais do que o tratamento sintomático, assumia um papel central no combate às desigualdades sociais.

Do relato verídico contando na primeira pessoa, tecem-se considerações detalhadas (e polémicas) sobre o papel da religião católica na América Latina. Também as correntes políticas — comunismo, socialismo, liberalismo e conservadorismo — assumem um destaque primordial, bem como os conceitos de «esquerda» e de «direita», essenciais para a compreensão de todos os factos descritos por Héctor e que explicam o desfecho trágico que pôs termo à vida do seu pai, a pessoa que mais admirava e que por ele nutria «um amor excessivo».

Uma história densa e comovente, desprovida de lugares-comuns. De uma dor que cicatrizou, mas que prevalece. De uma memória que se quer «agarrar» pela força das palavras, evitando o esquecimento de um humanista que viveu em prol dos outros, para uma sociedade mais livre e justa.

Votos de um bom ano 2024!

Susana Barão


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